Este olhar, quando utilizado para observar os alunos EFA, revela-se míope. O diagnóstico que o explica, explica-se em poucas palavras: estes alunos são pessoas que, por necessidades, sobretudo, fisiológicas e de segurança (Maslow dixit), foram construindo os pilares sobre os quais se ergue a sua vida, mas são também pessoas que, por razões que só a elas compete exorcizar, foram deixando por erguer as paredes que ligam esses pilares. São, por isso, como edifícios embargados, com pilares que ascendem a um 10º, 11º ou 12º pisos, mas ainda sem guardas.
Neste contexto, nós, professores, não somos mais os quantificadores de misturas eficazes de cimento, areia e água ou os dobradores de ferro, mas aparecemos como engenheiros observadores do estado de conservação dos pilares já existentes e arquitectos idealizadores das paredes a construir.
Claro está que trabalhar com adultos, o mesmo é dizer, em espaços amplos, com pilares e desemparedados, sujeita-nos a algumas correntes de ar. A experiência de vida de cada um deles traz consigo resistências que redundam, não raras vezes, em discussões, reconheça-se, profícuas. De abasurdidos a, por vezes, habisbélicos, os consensos a que todos chegamos nem sempre são consensuais, mas nem isso deixam de ter a marca da tolerância. As competências vão, assim, sendo adquiridas e, desse modo, as paredes vão-se erguendo, legando aos pilares preexistentes um renovado sentido de ser.
Os adultos, estes adultos em particular, chegando à fase do azulejo, da pintura e da carpintaria, têm sempre uma palavra a dizer. Se nós sumariamos uma proposta de trabalho, são eles quem escolhe o conteúdo com que lhe responderão. Nós sugerimos-lhes que realizassem um manual de instruções para uma máquina do tempo; eles convidaram-nos a viajar numa biblioteca, através de um espelho ou pegando num comando de televisão. Nós levámo-los para épocas de risco e tecnologicamente pobres: eles mostraram-nos que conseguiriam regressar ao presente vivos através das páginas de diário que nos enviaram. Nós incitámos a sua imaginação a especular quanto ao desenvolvimento futuro de instrumentos técnicos que, na actualidade, facilitam o nosso dia-a-dia; eles deram-nos a ver candeeiros antropomórficos, GPS’s laborais e gira-discos auto mobilizados. Nós pedimos-lhes que reflectissem sobre os princípios que devem regular uma sociedade justa; eles, através de cada uma das suas palavras, deram as mãos e legaram-nos a imagem de uma sociedade na qual todos gostaríamos de viver.
Esta é a nossa escola, estes são os seus alunos EFA, e com eles estamos todos a reaprender a olhar. Tivemos que começar a reaprender a olhar. O futuro de cada um deles, aqui, não sabemos o que será, mas sabemos que para cada um deles está reservado um fim: um edifício com (restaurados) pilares, com paredes e melhores ou piores acabamentos – isto dependerá apenas da sua vontade.
Findo isto, as rotinas também se instalarão. Para contrariá-las, cada um deles desejará, provavelmente, ter uma segunda casa: no campo, na montanha ou junto ao mar. Nessa altura, já não estaremos presentes para os ajudar. Precisamos, apesar disso, de acreditar que o ensino superior responderá à altura. Caso tal não aconteça, o nevoeiro trazer-nos-á a todos eles uma e outra vez, até que o conhecimento nos separe. Mas como o saber não ocupa lugar, haverá sempre novos lugares para partilha: para a nossa conjunta e, adjective-se, saudável partilha.
Professor Nuno Fadigas.
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